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Entre promessas e teoria, o que se observa na prática é a considerável taxa de insucesso de projetos que trocaram a metodologia tradicional pela ágil. Armadilhas comuns, que afastam projetos dos benefícios esperados com a agilidade, podem ser amenizadas, ou até mesmo evitadas, se identificadas previamente.

Segundo o 14º relatório anual State of Agile, baseado na experiência de mais de mil profissionais de tecnologia da informação (TI) e negócios de todo o mundo, mais de 80% dos entrevistados sinalizaram que suas organizações estão abaixo do nível de maturidade desejado com práticas ágeis. Além disso, a cultura organizacional é citada como uma das principais barreiras em diversas pesquisas sobre o tema.

Quando falamos sobre cultura, devemos pensar nas possíveis pressões organizacionais, muitas vezes invisíveis ou aparentemente inofensivas, que podem direcionar até os profissionais mais experientes a escolhas que acabam levando o projeto ou a empresa na direção oposta ao sugerido pelos princípios ágeis.

Além disso, entender a importância da agilidade não ser uma prática deslocada, aplicada somente em um projeto ou área da empresa, auxiliará na escabilidade do mindset ágil e em uma maior maturidade para lidar com o novo modelo de trabalho em busca de maior competitividade e velocidade de adaptação.

Para exemplificar os pontos acima, trazemos duas situações reais que podem auxiliar no reconhecimento de armadilhas relacionadas à cultura organizacional e escabilidade do ágil nas organizações.

Armadilha 1: adoção do ágil de forma isolada

Uma equipe de uma grande empresa decidiu contratar um prestador de serviços desenvolvedor de sistemas que trabalha com métodos ágeis e iterações incrementais, objetivando manter um alinhamento constante com a expectativa de seus clientes e, consequentemente, maior entrega de valor a cada ciclo.

Porém, sem um alinhamento adequado com outros setores da empresa contratante sobre as particularidades da metodologia ágil em relação à tradicional, o modelo de faturamento firmado tornou-se um impasse no decorrer do projeto, uma vez que o contrato foi firmado entre as partes prevendo o pagamento de parcelas apenas frente à entrega total de algumas funcionalidades pré-estabelecidas.

O problema: após a realização de algumas entregas, o desenvolvimento de funcionalidades que estavam atreladas ao faturamento precisou ser paralisado devido a marcos regulatórios ainda em aberto e que afetavam diretamente tais funcionalidades. O fornecedor e a contratante nada podiam fazer a respeito a não ser aguardar.

A equipe do projeto, então, recorreu ao contrato e verificou que o modelo de faturamento firmado entre as partes condicionava o pagamento da parcela seguinte à entrega total das funcionalidades, já que a forma de operação e os padrões de contratação das equipes de suprimentos e do jurídico não eram similares ao modelo ágil previsto pelo fornecedor.

A falta de adequação do ponto acima tornou a situação crítica para ambas as partes: a empresa prestadora de serviço não conseguiria receber pelas entregas já realizadas, enquanto o cliente veria a qualidade da entrega do seu projeto declinando, visto que o fornecedor precisou dedicar mais atenção em recuperar seu prejuízo financeiro.

Lições a destacar: conforme exemplificado, a transição para o ágil impacta mais do que uma área ou equipe, permeando assuntos que envolvem demais setores como o financeiro, operações, recursos humanos, jurídico e outros. Algumas literaturas sobre o Scrum, como por exemplo o livro Succeeding with Agile: Software Development Using Scrum (Mike Cohn), abordam de maneira específica a necessidade de reconciliar as políticas da empresa sobre capitalização ou despesas com a forma como os projetos ágeis são executados e as entregas são feitas.

Portanto, envolver todas as áreas da organização nessa transição é um caminho promissor para antecipar as adequações necessárias para o ágil. No caso citado, poderia ter sido elaborado um modelo de contrato para projetos gerenciados de forma ágil, contemplando um escopo flexível com negociação prévia de duração e custo.

Armadilha 2: subestimar o mindset ágil

Uma equipe de TI começou a incorporar rotinas recomendadas por metodologias ágeis e, dentre elas, destacamos as reuniões diárias em pé (no inglês, stand up meeting). O propósito dessa reunião é trocar informações sobre o progresso do projeto e possíveis impedimentos para que as atividades sejam priorizadas corretamente e as entregas não sejam comprometidas.

O problema: dada a cultura organizacional que permeava a empresa até então, intolerante a erros e sem incentivo à colaboração entre os times, promover uma mudança de mindset com o qual os profissionais se sintam seguros para sinalizar pontos de melhorias, erros e impedimentos exigirá um esforço constante das lideranças.

Caso contrário, a reunião diária não alcançará seu objetivo, já que exige transparência para que desvios sejam compartilhados entre o time e falhas sejam aceitas visando a melhoria contínua do projeto. Lembrando que a transparência é um pilar fundamental da agilidade.

Lições a destacar: uma pesquisa realizada pela Harvard Business Review com desenvolvedores de mais de 500 empresas (Os entraves à implantação do modelo Agile, 2018) constatou que um dos empecilhos comuns é a discrepância entre a prática e os princípios contidos no manifesto ágil.

Conforme o exemplo, a reunião diária não irá alcançar seu objetivo caso a cultura da organização não se alinhe aos princípios ágeis, entendendo e encarando o processo de falha da maneira adequada em ambientes ágeis. Mais do que seguir protocolos, a ideia de realizar reuniões produtivas, curtas e constantes visa obter maior alinhamento dos envolvidos na iniciativa, justamente para contornar de forma antecipada obstáculos que comprometam o projeto.

Conclusão

A partir das situações apresentadas, é possível perceber como na prática os profissionais empenhados na transição para o ágil devem estar atentos às armadilhas geradas por limitações da organização e resistência cultural. Além disso, os eventos e rotinas empregados pelas metodologias ágeis, como as reuniões diárias, só atingirão o objetivo proposto se o mindset da organização estiver alinhado aos princípios ágeis, propiciando a abertura de canais de comunicação e o reforço do espírito de equipe.

Existem várias outras medidas que podem ser empregadas para incentivar a cultura ágil, como a substituição do microgerenciamento por profissionais auto-gerenciáveis e a formação de times realmente multidisciplinares.

Além disso, os quatro valores do manifesto ágil devem ser aplicados para orientar as decisões e manter o foco no objetivo esperado com a uso de tais metodologias.

Quer saber mais sobre como podemos auxiliar sua organização nessa transição para o ágil? Agende um horário com um de nossos especialistas.

Carolina Abrantes

Carolina Abrantes é Sócia Diretora e Líder de Estratégia Digital e Transformação Ágil, expert em mudança de mindset cultural para agilidade e implantação das principais metodologias de desenvolvimento de sistemas e gestão de projetos ágeis do mercado. Certificada Agile Coach, Scrum Master e Ágil Escalado (SAFe).

Marcia Alvarenga é consultora da Bridge & Co. Possui formação em Análise de Sistemas pelo Centro Universitário de Brasília (UniCEUB) e MBA em Gestão de Qualidade de Software pela Unyleya. É certificada em Product Owner (CSPO), Gestão por Processos (CBPP), Requisitos (CPRE) e Testes (CTFL). Atua em projetos com foco em melhorias de processos e gerenciamento de projetos ágeis.
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